Sim, eu sei quão difícil é tomar decisões importantes. Tenho certeza de que no discurso, tudo é mais simples e mais fácil. Mas a vida é assim. É feita de fins, de recomeços, de mudanças inesperadas e de acontecimentos óbvios. Mas quase sempre, ela exige coragem das pessoas. Principalmente daquelas que se incomodam com o lugar comum, com a tepidez dos relacionamentos com data de validade vencida, com a sombra de uma acomodação não desejada pairando sobre a cabeça. Isso não significa que a gente deva tratar as coisas de forma impulsiva, como uma criança que joga o doce fora porque apareceu outra guloseima mais gostosa. Significa que a gente deve tentar ser feliz da forma mais responsável possível.
Infelizmente, algumas coisas mudam no meio do caminho e não saem conforme planejamos. Infelizmente, as nossas escolhas não possuem a garantia do "para sempre". E aí, sim, a dinâmica do abrir e fechar de ciclos acaba exigindo que a gente se posicione na roda que se forma nos nossos dias.
Eu sei que você tem consciência de tudo isso. Sei que você sabe exatamente o que quer, embore use alguns subterfúgios para justificar a ausência de uma motivação completa que lhe dê força e coragem para transformar as suas certezas em ações concretas. Fico pensando, se as dificuldades da vida prática não estão servindo de âncora para você. Ou se você realmente está com medo de abandonar o barco. Televisão se compra, bem como fogão e geladeira. Já o tempo... Ah, esse não tem preço. E a felicidade, então, não está exposta em vitrines de lojas e galerias. E quando falo isso, falo pensando nos dois lados. Na relação.
Ah, e esqueça esse papo de que é responsável pelas pessoas, quando as pessoas são jovens adultos saudáveis e conscientes. Ninguém gosta de estar numa relação pelos sentimentos errados, por mais que o medo da perda momentâneo faça a gente achar que sim, que "quer assim mesmo" e etc e tal. Vejo esse aparente sentimento de proteção muito mais como um egoísmo bem individualista, um medo de deixar o outro aprender por si mesmo e voar por outros céus. A gente acaba subestimando as pessoas para justificar o medo de descobrir que - sim - o outro pode viver muito bem sem a gente. O mundo não acaba. Muito pelo contrário. Se a decisão é acertada, o mundo começa de uma forma diferente. É melhor você se convencer de uma vez, que toda escolha implica numa perda. Não dá para ter tudo. E por mais que você saiba isso no mundo teórico, está na hora de você, realmente, internalizar essa verdade.
Sei que você está esperando algum acontecimento incomum, que tire o peso da responsabilidade das suas costas. O tempo, quem sabe. Um dia de fúria ou um surto providencial que dispense palavras. Uma atitude do outro... Pode ser que você esteja certo. Pode ser que você acabe formando mais lacunas e arranhando mais o que você ainda quer preservar. Pode ser que esse dia nunca chegue. Pode ser.
O que não pode, amigo, é faltar honestidade. Com você, com os seus sentimentos, com o outro. O que não pode é empurrar com a barriga algo que deve ser tratado com carinho e cuidado. Crescer é difícil, alguém já disse isso um dia. Fazer escolhas tão importantes exige pesquisas e relatórios internos que talvez nunca nos leve a conclusão que a gente queria. Ou da forma que a gente desejava.
Mas tudo bem. Eu, bem sei que o tempo da vida é muito mais sábio que o tempo da gente, quando as nossas intenções são boas. Só desejo que tudo termine bem para todos. E que seja possível ler os recados que essa vida nos dá com coragem e responsabilidade.
É isso.
Ah, lembrei de uma passagem do livro de Isabel Allende...
“A vida não é uma fotografia, em que a gente organiza as coisas para ficar bem à vista e depois fixa a imagem para a posteridade; é um processo sujo, desordenado, rápido, cheio de imprevistos. A única coisa certa é que tudo muda. Apesar dos contratos, surgiram problemas inevitáveis, de modo que era inútil nos preocuparmos, discutir demais ou tentar controlar até o último detalhe; tínhamos que nos abandonar ao fluxo da existência cotidiana, confiando na sorte e em nosso bom coração, porque nenhum dos dois feria o outro de propósito”.